quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A FILHA QUE AINDA NÃO TIVE

À minha mãe, Dona Nina

A filha que ainda não tive
Vem dos quatro cantos do meu desejo
Do alto geográfico do meu bem querer
Vem ela toda prosa
Imaginária a mexer pernas e braços
Com pés sujos de terra
Impregnada até a alma de terra
Sob o ritmo das caixas de guerra
Vem São Francisco abaixo
Para de dentro das minas sair
Em serras
Em alma férrea
Serra
Serralheira
A distorcer ferro em terra
Terra em água
Embebida de toda tribo
Quilombo
Quilombola
Que rola através dos tempos
Peito adentro
E vem descendo terra
Entremeada por solos férreos
E num constante d'água
Em serras
Mantiqueira
Minas
Regatos
Riachos
E rio de pensá-la
Entre braços
Abraços e cheiros
Quase minha
Deitada no berço de papel do querer.

Já tão perto estende-se em vale
Em rio que corre manso
Líquida e certa
Vigiada sempre por serras
Serras velhas
Antepassadas e tropeiras
Em direção às cruzes
Do existir
Que sempre são tantas
Às margens do Tietê
E novamente e sempre rio
Sob a vigia do Itapeti
Imersa em águas
Em contornos de rios
Para as fluências e afluências do existir
Vem!!!
Vem que eu quero niná-la.

OFICINA DE PALAVRAS

No porão da memória
Um bancada de poemas inacabados
Rodam
Carrossel
Cavalos amorfos
Imóveis
Palavras travas
De sonhos quimeras
E eu a reciclar
Juntar
Esfregando-as umas às outras
A espera da explosão dos sentidos
Contidos
Unidos
No inibido de ser
No vão das palavras
Soltas
Loucas
No esmo das frases ditas
E não sentidas
E no contrário.

E as infinitas bocas
Sãs
Loucas
E o que dizem ou não
À cabeça
Frases
Palavras
Que retinem emblemáticas
De sentimentos infindos.

Somos poemas
Inacabados rodamos
Em torno de frases
Em parágrafos do que já começa a acabar
Em vírgulas
Esperas
E o texto da textura de ser
E o é frágil das coisas
Tudo contido
Às vezes descrito
Outras não
Extensa paisagem que é viver

EM GALOS

A percorrer o tempo
Na noite: o galo
Com seus pés tridentes
De trazer preso o chão.
Sobe-se ele em pernas
Paralelas
A marcar tempos
Dentro e fora
Dele galo
Preenche-se todo
De penas
Penas desse mundo todo
Às cores diferentes de cada dia
Sobe-se vertiginoso
Em pescoço
Como que o infinito
Infla-se notas e notas
Na noite já pouca
E seu canto tanto explode
De seu pequeno espaço/canto
Rasga o dia que se apresenta
A despeito de esporas
Apontadas em ontens
Rasgados e largados
No tempo.

GALO

Um galo
É um parágrafo
(anterior às linhas horizontais do dia)
Ao eriçar-se
Pontua-se e estende-se
Em notas
Em frases
Nascidas de seu corpo
De suas penas
Ainda assim
Colorindo o amanhecer

UM GALO

A clave de sol
Espreita-a: meu galo
Nascido deste papel-chão
De sonhar tantas cores
Segue azul a espaços pontuados
Em seu chão
Pés e pernas a suster
A antiflorescência
Monocromático
A variação de tons
Vêm-lhe da sombras
Das sombras de minha mão
E sua presença segue
Apenas imaginada
E seu canto é este canto
Deste recinto
Em que sigo - pela noite
Atrás de outras notas
Além desta: dó.

UM GATO

À liberdade

Penso um gato
De uma linha um fio de bigode
Da outra: o outro
Na linha horizontal do pensamento
Acha-se ele deitado
Com seus olhos redondos
(observadores destes pensamentos)
Que pretendem o poema.

Estendido todo as quatro patas
Na sabedoria de ficar perpendicular
A este meu tempo feito de inventos
De olhar
Tantos gatos objetos.

Domado à palavra
Parado
Estanque de espaço
Sem ir do chão ao muro
Do muro incerto: o rumo
Desprendido de seu "G" inicial
Livre: o Ato
Feliz sinto-0 escapar.

FERROVIÁRIA

À mogi e suas estações

O quando é trem que passa
Em janelas a recortar paisagens
Papéis picados
Passagens
Da cidade deixada
Partida
Fruto deste corte no tempo.

Meu corpo em trânsito
Rumo ao sempre
(geografia de lugar nenhum)
Aos olhos que se miram
Dentro e fora
Marcando encontro no nunca
E outros a se voltarem interiores
No interior deste trem.

Na noite
Lua e rodas a perderem-se
No arredondado do escrito
Dela poesia
Que vem a vagões de tempo
Às linhas de versar este trem
Na viagem das palavras.